Bio-panorama de uma pedagoga do século xx, no século xxi
Exibida, me apresento
como egressa do curso de graduação na Faculdade de Educação da UnB, para uma
turma de Introdução à Pedagogia, com a expectativa de saber um pouco sobre o
que pensam da minha geração de profissionais, a que fez a transição entre séculos,
numa perspectiva de quase quarenta anos de distância do currículo que nos
formou. Em síntese, ao que sobrevivi: fui estudante de graduação na
Universidade de Brasília, de 1980 a 1990. Ingressei na Pedagogia em 1985, ano
em que completei uma década de empregos como professora de inglês em cursos e escolas da cidade . Escolhi o curso de pedagogia
porque tinha tudo e eu sou gosto de tudo e mais um pouco. Caos pouco é bobagem,
peguei os tempos de transição entre currículos, reformas de regimes, anos de
constituinte, pioneiros em acesso de estudantes aos computadores. Nossas
esperanças eram de que a reforma dos cursos de pedagogia apontasse para as
ciências da educação, com transdisciplinaridade, inclusão de pesquisa e
laboratórios nas habilitações e indissociabilidade entre teoria e prática.
Entramos na era digital, ainda utilizando cópias em mimeógrafo para reivindicar
representação estudantil, créditos para pesquisa na graduação, extensão
permanente para a graduação, cursos noturnos, laboratórios de tecnologia
educacional, publicação para divulgação de artigos de estudantes da graduação,
gravação de programas de rádio e de tevê da faculdade de educação. Ou seja,
queríamos mais do que um toco de giz para salvar o país. Conseguimos muito. A
revista, a Ludoteca, o Centro Acadêmico, a reforma do prédio para abrir mais
banheiros para alunos do que privados pelos docentes, a realização da
Conferência Brasileira de Educação e dos Fóruns da Escola Pública, a reforma de
currículo, a implantação dos núcleos de pesquisa e extensão, a gestão de um
programa de educação para funcionários da universidade por graduandos,
laboratórios de gravação e edição de áudios e vídeos - são algumas lembranças
que tenho daqueles loucos anos. Greves gerais, as maiores greves, greves de
categorias, calendário de greve todos os anos. Pedagoga formada para dar aula
para professores e levar o público para se educar e se escolarizar, nunca
fiquei desempregada ou sem oferta de trabalho. Várias vezes mal remunerada,
algumas vezes até sem remuneração, mas aceitando desafios. Trabalhei dia e
noite. Professora universitária, temporária e em faculdades
particulares para licenciaturas diversas, coordenadora
pedagógica de escola infantil e escola de línguas, alfabetizadora de adultos e
mediadora de educação para alfabetizadores populares. Iniciei estudos de pós-graduação em educação, mas não
consegui me manter até a conclusão. Tive filhas e entrei concursada para o
serviço público como Técnica em Assuntos Educacionais, um ser em extinção.
Numerei processos de transferência de dinheiro público para programas e
projetos de escolas, redigi notas técnicas e pareceres para processos de
eventos, programas, projetos e políticas de educação profissional e
tecnológica; participei de reuniões, oficinas e eventos para organização e
formação técnica em políticas gerais de inclusão e cidadania, e específicas de inovação em educação; assessorei
coordenações de programas e políticas de expansão da educação no país e em
acordos internacionais; produzi e apresentei eventos e livros; coordenei e
treinei equipes de trabalho e pesquisa; fui aposentada por recomendação médica,
invalidez. Diagnóstico, interpreto intimamente, segundo o filósofo Byung-Chul
Han: excesso de positividade.
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